quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Eleitores votarão sem saber se seu candidato é ficha suja

Regendo sua primeira eleição, a Lei da Ficha Limpa levou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedidos de impugnação de 1.361 candidaturas de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em todo o país. Apesar de a votação ocorrer no domingo (7), no entanto, a grande maioria dos políticos sob suspeição disputará o voto do eleitorado sem saber se será enquadrada como ficha suja. A incerteza vai marcar a eleição porque o plenário do TSE talvez não consiga julgar todos os processos antes do domingo. Pelo menos uma reunião da Corte acontecerá nesta quinta-feira (4). Contudo, há a possibilidade de os ministros decidirem por sessões extras para acelerar o julgamento dos processos.
Além dos casos motivados pela Lei da Ficha Limpa, o TSE também tem que analisar milhares de outras ações envolvendo registros de candidaturas. Nos casos em que não houver deliberação da Justiça Eleitoral, os candidatos concorrerão no próximo domingo sub judice e os votos serão computados normalmente. Contudo, a vitória nas urnas não será a garantia de posse no cargo ao qual disputou. Isso porque, se posteriormente o candidato tiver o registro impugnado pelo TSE, os votos serão considerados nulos. O tribunal analisará caso a caso qual será o procedimento nas situações em que o vencedor tenha seu registro cassado.
Entre as hipóteses, estão a diplomação do segundo mais votado ou até a realização de uma nova disputa, no caso de eleição majoritária. No caso dos vereadores, serão empossados os candidatos que tiverem o maior número de votos.

A incerteza de mais de 600 candidatos a prefeito

A três dias do primeiro turno das eleições municipais, 640 candidatos a prefeito em 602 cidades podem ir para as urnas no próximo domingo ainda sem saber se poderão tomar posse caso sejam eleitos. Ou seja, podem até ganhar, mas correm o risco de não assumir o cargo. No Rio, 32 candidatos em 26 cidades tiveram seus registros indeferidos ou cassados. É o segundo estado onde, proporcionalmente, há mais municípios com pelo menos um concorrente à prefeitura nesta situação. Há prefeitos no estado que concorrem à reeleição sem ter a certeza de que sua candidatura vai ser liberada. São os casos de Rachid Elmor (PDT), de Paty do Alferes, Rafael Miranda (PP) e de Cachoeiras de Macacu. Também existem ex-prefeitos que tentam voltar ao cargo e aguardam recursos. Em Tanguá, o número de pendurados atinge metade dos aspirantes ao Executivo. Para tentar garantir a vaga, todos recorreram ao TSE.
De acordo com resolução do TSE, nenhum candidato com registro indeferido pode ser diplomado - ato em que a Justiça oficializa quem foi eleito -, mesmo que exista recurso. Caso isso ocorra e o candidato a prefeito mais votado não tiver a maioria absoluta dos votos válidos, o segundo colocado na eleição tomará posse. Essa situação vai perdurar até o julgamento final do registro do primeiro colocado. Entretanto, se o mais votado estiver com o registro indeferido e obtiver mais da metade dos votos válidos, será preciso convocar uma nova eleição. Até lá, o presidente da Câmara Municipal assumirá o cargo de prefeito interinamente.
O TSE informou que os casos deverão ser julgados até o fim de dezembro, data das diplomações. Até agora, 5.223 recursos sobre registro chegaram à Corte. Pouco menos de um terço foi julgado. Cerca de 40% dos processos são sobre a Lei da Ficha Limpa.

Como tudo começou

O projeto da Ficha Limpa surgiu em 2010, fruto de iniciativa popular contra a candidatura de pessoas condenadas pela Justiça ou que renunciaram a seus mandatos para escapar de punições. Antes, em 1999, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se mobilizavam pela aprovação de iniciativa popular nº 9840/99 (Lei da Compra de Votos) que tornou a compra de votos crime possível de cassação.
Cinco anos depois, o desembargador Marcus Faver, então presidente do Tribunal Regional Eleitoral do RJ, buscou impedir que pessoas respondendo por processos criminais se candidatassem no Rio. A tentativa de Faver foi vetada pelo Tribunal Superior Eleitoral por falta de respaldo legal.  "Os homens de bem continuarão a viver com criminosos nas casas legislativas”, lamentou à época o ex-deputado federal Antonio Biscaia.
Para transformar o projeto de combate a corrupção eleitoral na Lei da Ficha Limpa, foi preciso uma grande mobilização nacional iniciada por entidades da sociedade civil (MCCE, CNBB, OAB) e outras instituições. Cerca de 46 entidades participaram da iniciativa que recolheu mais de 1,3 milhão de assinaturas e, então, o Projeto de Iniciativa Popular foi levado ao presidente da Câmara, em setembro de 2009. Depois disso seria necessário a conferência de cada uma das assinaturas, o que demandaria no mínimo mais seis meses.
Para agilizar o trâmite, parlamentares de diferentes partidos o encamparam. O ex-deputado Biscaia foi o primeiro a assinar o PLP nº518/2009 que institui a chamada Ficha Limpa: “Essa intolerável realidade precisa ser radicalmente extirpada do mundo político”, observou o ex-deputado no livro Biscaia, insistindo na necessidade de mudança.