Regendo sua primeira eleição, a
Lei da Ficha Limpa levou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pedidos de
impugnação de 1.361 candidaturas de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em
todo o país. Apesar de a votação ocorrer no domingo (7), no entanto, a grande
maioria dos políticos sob suspeição disputará o voto do eleitorado sem saber se
será enquadrada como ficha suja. A incerteza vai marcar a eleição porque o
plenário do TSE talvez não consiga julgar todos os processos antes do domingo.
Pelo menos uma reunião da Corte acontecerá nesta quinta-feira (4). Contudo, há
a possibilidade de os ministros decidirem por sessões extras para acelerar o
julgamento dos processos.
Além dos casos motivados pela Lei
da Ficha Limpa, o TSE também tem que analisar milhares de outras ações
envolvendo registros de candidaturas. Nos casos em que não houver deliberação
da Justiça Eleitoral, os candidatos concorrerão no próximo domingo sub judice e
os votos serão computados normalmente. Contudo, a vitória nas urnas não será a
garantia de posse no cargo ao qual disputou. Isso porque, se posteriormente o
candidato tiver o registro impugnado pelo TSE, os votos serão considerados
nulos. O tribunal analisará caso a caso qual será o procedimento nas situações
em que o vencedor tenha seu registro cassado.
Entre as hipóteses, estão a
diplomação do segundo mais votado ou até a realização de uma nova disputa, no
caso de eleição majoritária. No caso dos vereadores, serão empossados os
candidatos que tiverem o maior número de votos.
A incerteza de mais de
600 candidatos a prefeito
A três dias do primeiro turno das
eleições municipais, 640 candidatos a prefeito em 602 cidades podem ir para as
urnas no próximo domingo ainda sem saber se poderão tomar posse caso sejam
eleitos. Ou seja, podem até ganhar, mas correm o risco de não assumir o cargo.
No Rio, 32 candidatos em 26 cidades tiveram seus registros indeferidos ou
cassados. É o segundo estado onde, proporcionalmente, há mais municípios com
pelo menos um concorrente à prefeitura nesta situação. Há prefeitos no estado
que concorrem à reeleição sem ter a certeza de que sua candidatura vai ser
liberada. São os casos de Rachid Elmor (PDT), de Paty do Alferes, Rafael
Miranda (PP) e de Cachoeiras de Macacu. Também existem ex-prefeitos que tentam
voltar ao cargo e aguardam recursos. Em Tanguá, o número de pendurados atinge
metade dos aspirantes ao Executivo. Para tentar garantir a vaga, todos
recorreram ao TSE.
De acordo com resolução do TSE,
nenhum candidato com registro indeferido pode ser diplomado - ato em que a
Justiça oficializa quem foi eleito -, mesmo que exista recurso. Caso isso
ocorra e o candidato a prefeito mais votado não tiver a maioria absoluta dos
votos válidos, o segundo colocado na eleição tomará posse. Essa situação vai
perdurar até o julgamento final do registro do primeiro colocado. Entretanto,
se o mais votado estiver com o registro indeferido e obtiver mais da metade dos
votos válidos, será preciso convocar uma nova eleição. Até lá, o presidente da
Câmara Municipal assumirá o cargo de prefeito interinamente.
O TSE informou que os casos
deverão ser julgados até o fim de dezembro, data das diplomações. Até agora,
5.223 recursos sobre registro chegaram à Corte. Pouco menos de um terço foi
julgado. Cerca de 40% dos processos são sobre a Lei da Ficha Limpa.
Como tudo começou
O projeto da Ficha Limpa surgiu
em 2010, fruto de iniciativa popular contra a candidatura de pessoas condenadas
pela Justiça ou que renunciaram a seus mandatos para escapar de punições.
Antes, em 1999, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se mobilizavam pela aprovação
de iniciativa popular nº 9840/99 (Lei da Compra de Votos) que tornou a compra
de votos crime possível de cassação.
Cinco anos depois, o
desembargador Marcus Faver, então presidente do Tribunal Regional Eleitoral do
RJ, buscou impedir que pessoas respondendo por processos criminais se
candidatassem no Rio. A tentativa de Faver foi vetada pelo Tribunal Superior
Eleitoral por falta de respaldo legal.
"Os homens de bem continuarão a viver com criminosos nas casas
legislativas”, lamentou à época o ex-deputado federal Antonio Biscaia.
Para transformar o projeto de
combate a corrupção eleitoral na Lei da Ficha Limpa, foi preciso uma grande
mobilização nacional iniciada por entidades da sociedade civil (MCCE, CNBB,
OAB) e outras instituições. Cerca de 46 entidades participaram da iniciativa
que recolheu mais de 1,3 milhão de assinaturas e, então, o Projeto de
Iniciativa Popular foi levado ao presidente da Câmara, em setembro de 2009.
Depois disso seria necessário a conferência de cada uma das assinaturas, o que
demandaria no mínimo mais seis meses.
Para agilizar o trâmite,
parlamentares de diferentes partidos o encamparam. O ex-deputado Biscaia foi o
primeiro a assinar o PLP nº518/2009 que institui a chamada Ficha Limpa: “Essa
intolerável realidade precisa ser radicalmente extirpada do mundo político”,
observou o ex-deputado no livro Biscaia, insistindo na necessidade de mudança.